Confira a Poesia:
ADEUS PERVERSO (Soneto da amargura)
Hilton Pina
Ah! Se tu
quisesses redobrar o grito
Do incontido
amor perdido em verso,
Então
entenderias o que ouço e fito
Na imensidão
vazia do teu adeus perverso.
Ah! Se tu
soubesses o que é partir sem rumo
E que a dor
maior é existir perdão,
Então
colocarias o teu amor em prumo
E
voarias,solta,nas frágeis asas da paixão.
Debruçada
aos pés da insanidade
Não vistes o
vazio do meu aflito
Misto de martírio
e de saudade.
Capitulado
ante essa dor imensa
Despedaço-me,em
vão,contra o infinito,
E
liberto,enfim,a sombra em mim suspensa.
Prosa:
VIDAS Á DERIVA
Hilton Pina
Seis meses
já tinham decorrido desde que os seus dois filhos acharam mais racional
internar a mãe em uma casa de acolhimento para idosos. Apesar de presente à
reunião para ela as discussões foram indiferentes, pois há muito tempo a sua
memória se comportava como um céu turvado por alguma noite de insônia. Raramente
apresentava momentos longos de lucidez, os seus sentimentos se moviam
distorcidos como o vento e as suas reações se afiguravam como um navio
naufragado. Á medida que percorria os longos corredores da instituição, todos
os dias ele se questionava se deveria ter concordado com os filhos. Afinal, ela
era sua vida, sempre fora a sua bússola, seria sempre sua outra metade. Mas os
filhos alegaram que aos 80 anos ele não teria a disposição e a saúde necessárias
para cuidar de uma pessoa abstrata, vivendo em um mundo semeado de nuvens e
fazendo do seu picadeiro uma imitação da vida. Olhou-a pela janela do quarto,
como sempre fazia antes de entrar, e lá estava ela, deitada, olhos abertos, fitando
o vazio que ninguém enxergava, apenas ela. Abriu a porta, lentamente, e ela
perguntou quem ele era, como acontecia na maior parte das vezes. Ele se
apresentava, tirava da mochila um livro e começava a ler para ela como tinha
feito nos últimos meses. O livro era o mesmo de sempre, mas para ela as
histórias tinham o tempero do novo, como se acabasse de entrar em mais um
castelo de conto de fadas. E ele fantasiava a narração, associando fatos da
vida passada dos dois e percebia, as vezes, um rasgo de lembrança, mesmo fugaz,
no seu semblante. A cada pergunta coerente que ela fazia, ele creditava uma
pequena vitória. Tentava-se enganar, já que tinha a noção precisa de que a
demência dela era progressiva e incurável. Mas, vitorioso mesmo se sentiu
quando foi oficialmente comunicado que o seu pedido de psicólogo voluntário foi
acatado pela direção do abrigo e que, doravante, teria um quarto a sua
disposição. Assim, poderia passar mais tempo com ela, mesmo dialogando para o
espaço sem ouvidos, inventando mais histórias, reaprendendo a viver na solidão
a dois. E foi ali e dessa forma que ele aprendeu o verdadeiro significado da
palavra saudade, “sentir a falta do outro mesmo na presença do outro”. E assim
ele se sentia, saudoso dela mesmo na presença dela, independentemente da
ausência dela. E aprendeu, também, embora tardiamente, que o amor é sempre
verbo presente. A visita dos filhos foi escasseando até desaparecer, talvez
porque da última vez a mãe lhes perguntou quem eles eram, se apresentou a eles
e retornou para o seu mundo de sombras e de vazio infinito. Ou talvez porque
insistiram, relutantemente, para ele voltar a morar em casa, cuidar da própria
vida e viver os restos dos seus dias longe daquela prisão. Ele olhou para além
dos filhos e simplesmente disse:-
não posso, meus filhos, sua mãe é o meu lar. Com ela e por ela, eu viverei
sempre nela. E, incontinente, retirou da mochila o livro de sempre e começou a
repetir as mesmas histórias que faziam ela ter, mesmo que raramente, um rasgo
de lembrança e um sorriso largo, embora inexpressivo.